No coração do Alentejo, existe uma pequena aldeia que encerra toda a alma da região. Peroguarda não se destaca por monumentos imponentes ou por uma paisagem exuberante, mas sim pelas suas histórias, pelas vozes do cante e pelo legado cultural que atravessa gerações. É esta identidade que lhe valeu o título não oficial de “aldeia mais alentejana de Portugal”.
Esta designação surgiu durante o Estado Novo, quando se realizou o concurso para eleger a “Aldeia mais portuguesa de Portugal”. O título ficou com Monsanto, mas Peroguarda destacou-se entre as concorrentes alentejanas, tornando-se um símbolo vivo da autenticidade regional.
Enquanto outras localidades caíram no esquecimento, esta aldeia preservou a sua identidade única, um testemunho das tradições do Baixo Alentejo.
A história de Peroguarda está envolta numa lenda que remonta aos primórdios da aldeia. Diz-se que o nome original era Pero Guarda, em referência a um homem abastado que construiu as primeiras casas em redor de uma velha oliveira, perto do atual adro.
O destino deste homem ficou selado quando foi atacado por um lobo. Conta-se que, nos seus últimos momentos, proferiu as palavras: “Fiz Peroguarda e Alfundão, vivam todos como eu vivi, e ninguém morra como eu morri…”. Assim nasceu a aldeia, unindo-se à vizinha Alfundão, que hoje partilha a mesma freguesia.
Tal como muitas outras localidades do interior alentejano, Peroguarda enfrenta os desafios do despovoamento e da escassez de água. Outrora uma terra de trabalho árduo, onde o cultivo de cereais era a base da economia local, a aldeia viu os jovens partirem em busca de melhores oportunidades, deixando para trás uma população envelhecida. Ainda assim, o campo resiste, e a paisagem continua a ser marcada pelos tons dourados das searas.
O casario mantém-se fiel à arquitetura tradicional alentejana: casas baixas, brancas, com rodapés em tons de azul e amarelo, e telhados de telha laranja. As ruas estreitas e tranquilas convergem para a igreja de Santa Margarida, um dos poucos edifícios de destaque na aldeia. Um pouco mais afastado, o cemitério guarda a memória de muitos dos que ajudaram a construir a identidade de Peroguarda.
Se há algo que distingue Peroguarda é a sua forte ligação ao Cante Alentejano. As vozes graves e ritmadas, acompanhadas pelo sotaque carregado, ecoam nas festividades locais, onde o cante se assume como uma verdadeira segunda língua.
Esta tradição foi imortalizada pelo etnomusicólogo Giacometti, que encontrou na aldeia um repositório inestimável de canções e melodias que hoje fazem parte do património musical português.
O Festival Giacometti, uma celebração cultural que homenageia o investigador e o cante, é um dos momentos altos da aldeia, a par das festividades em honra de Santa Margarida. São ocasiões que reúnem a comunidade e aqueles que regressam temporariamente à terra natal, mantendo viva a ligação às raízes.
Peroguarda integra o concelho de Ferreira do Alentejo, uma região rica em património e cultura. Quem visita a aldeia pode aproveitar para explorar locais emblemáticos como a Capela do Calvário, a Igreja da Senhora da Conceição e o Museu Municipal.
A tradição agrícola também está bem representada, com visitas ao Lagar do Marmelo e à Herdade do Vale da Rosa, onde o azeite e o vinho são os protagonistas.
Para os apreciadores da natureza, a Lagoa dos Patos, situada perto da Albufeira da Ribeira de Odivelas, oferece um refúgio de serenidade, onde a paisagem alentejana se reflete nas águas tranquilas.
Apesar das mudanças que o tempo impõe, Peroguarda mantém-se como um retrato fiel do Alentejo autêntico. Com as suas tradições enraizadas, a sua gente resiliente e o seu cante inconfundível, esta pequena aldeia continua a ser um dos mais belos segredos da região.