Os habitantes do Porto são conhecidos como “tripeiros”, uma alcunha que atravessa séculos e que está intimamente ligada a um dos episódios mais marcantes da história de Portugal.
Embora hoje seja usado com orgulho, a origem deste nome remonta ao século XV e está associada a um gesto de enorme generosidade por parte dos portuenses.
Corria o ano de 1415 quando o Infante D. Henrique ordenou a construção de uma frota na foz do Douro, destinada a apoiar a conquista de Ceuta, um importante porto comercial do Norte de África.
A missão exigia não só embarcações robustas, mas também provisões para sustentar as tripulações durante a expedição. Sem saberem ao certo qual seria o destino final da frota, os habitantes do Porto não hesitaram em contribuir com tudo o que tinham.
Num espírito de união e sacrifício, a população entregou generosamente todos os alimentos disponíveis para abastecer os navios, assegurando que os marinheiros partiam com carne fresca, cereais e outros mantimentos essenciais.
No entanto, algo ficou para trás: as tripas. Sem os cortes mais nobres da carne, os portuenses tiveram de se adaptar e encontrar formas criativas de aproveitar os restos que lhes sobraram.
Com as tripas como ingrediente principal, os portuenses criaram um prato que se tornaria emblemático da cidade: as famosas Tripas à Moda do Porto. Esta iguaria, confecionada com tripas de vaca, feijão, enchidos e outros temperos, rapidamente se enraizou na cultura gastronómica da região e atravessou gerações, sendo ainda hoje um dos pratos mais tradicionais do Porto.
A dedicação dos habitantes da cidade à causa nacional e a sua capacidade de adaptação tornaram-se motivo de orgulho. O nome “tripeiros”, inicialmente associado a esta necessidade de improviso alimentar, ganhou um significado mais profundo: passou a simbolizar a generosidade, a resiliência e o espírito solidário dos portuenses, características que ainda hoje lhes são reconhecidas.
Ser “tripeiro” não significa apenas ser natural do Porto. É uma afirmação de identidade, uma herança histórica que reflete o carácter de um povo conhecido pela sua hospitalidade e forte sentido de comunidade.
Os portuenses têm uma forma própria de estar na vida, colocando frequentemente o bem coletivo acima dos interesses individuais, tal como demonstraram no século XV ao garantir o sucesso da expedição a Ceuta.
O termo “tripeiro” é usado com orgulho, e a cidade continua a honrar essa tradição, tanto na sua gastronomia como na sua cultura. A receita das Tripas à Moda do Porto mantém-se fiel às suas origens, sendo presença habitual nos restaurantes locais e um dos pratos mais recomendados a quem visita a cidade.
Vale a pena esclarecer uma confusão frequente: um habitante do Porto é um portuense, mas nem todos os portuenses são “tripeiros” no sentido gastronómico. Há também quem, por razões de gosto, não aprecie as tripas, embora abrace o nome com orgulho.
Além disso, os adeptos do Futebol Clube do Porto são chamados “portistas”, o que significa que alguém pode ser portista sem ser portuense e muito menos tripeiro.
A história por detrás da alcunha “tripeiros” é um reflexo da alma da cidade: uma comunidade unida, solidária e resiliente. O Porto, com a sua identidade única, mantém viva esta tradição, perpetuando um legado que atravessa séculos e que continua a ser um símbolo do orgulho portuense.