A língua portuguesa é falada um pouco por tudo o mundo, embora com algumas variações, graças aos Descobrimentos. Os dialetos são especialmente comuns na África e na Ásia, embora muitos estejam hoje ameaçados de extinção. Mas também existem dialetos de origem portuguesa na América do Sul. Um deles é o portunhol, falado na fronteira entre o Uruguai e o Brasil.
Pensa-se que este é um dos dialetos portugueses com mais falantes, apesar de, até há bem pouco tempo, ser motivo de gozo e estar ameaçado pelas autoridades, que viam o idioma como sendo impuro, incorreto e usado por pessoas com pouca educação. Felizmente, nos últimos anos, tem vindo a ganhar cada vez mais defensores e notoriedade.
Para compreendermos a origem do dialeto, temos de mergulhar na história do Uruguai. Este estado encontra-se entre o Brasil e a Argentina, na desembocadura do rio da Prata e no ponto de confluência entre os rios Paraná e Uruguai.
Após a independência do país, em 1828, a população era de 75.000 pessoas. Existia apenas uma cidade, a capital Montevideu, e a população restante encontrava-se dispersa entre a região noroeste (com falantes de português) e a região sul (com falantes de espanhol).
O governo central do país optou por favorecer o espanhol como língua oficial, decisão que ainda hoje perdura. Assim, o espanhol foi introduzido nas escolas públicas de forma lenta e gradual, e o português continuou a ser falado no meio rural, na fronteira norte com o Brasil.
O português era de uma grande importância nessa região, devido ao contrabando de gado e à importação de frutas tropicais e subtropicais do Brasil, que abastecia a região de forma mais eficaz que Montevideu.
Com o tempo, e à medida que as pessoas das zonas rurais foram migrando para a cidade, os lusismos (palavras e expressões do português) foram-se infiltrando na fala popular de Montevideu.
O “Atlas Linguístico do Uruguai” ressalta também uma faixa com 25 km de largura, a Norte, onde boa parte da população é bilingue ou fala um dialeto local, chamado portunhol.
Os especialistas insistem em diferencial o portunhol do Norte do Uruguai da mistura de português e espanhol a que comummente damos esse nome. No entanto, tal distinção nem sempre é fácil de compreender.
O dialeto ainda se mantém vivo na região, graças ao facto de existirem mais oportunidades de educação no lado brasileiro, somado às diversas estações de televisão brasileira na região da fronteira. Usar o portunhol é também visto como uma tentativa de reforçar a identidade nacional por muitos uruguaios.
No caso dos jovens, o portunhol serve como diferenciação dos vizinhos argentinos, mas também como uma forma de rebeldia contra a política governamental de se “falar espanhol correto”.
Diversos ministros da educação do Uruguai vieram já a público declarar que o portunhol é um dialeto “vulgar” e “de classe baixa”, assegurando que a política do ministério é ensinar tanto o espanhol como o português corretamente, para que as duas línguas sejam faladas e ensinadas segundo os respetivos padrões.
O Portunhol do Uruguai vai, no entanto, sobrevivendo como pode. E parece que os seus falantes mostram cada vez mais orgulho em utilizá-lo no seu quotidiano, exibindo-o como sinal da sua identidade e da sua cultura.
Este dialeto mantém-se vivo também na música e noutras manifestações culturais do povo que a fala, tendo até o seu próprio estilo musical, designado por “Cumbia Bagacera”.
E, aos poucos, parece ir conquistando o respeito também das elites, que antes viam o dialeto com desdém. Em 2015 surgiu a ideia de candidatar o Portunhol a património da UNESCO, algo que, para além de reconhecer a sua importância, iria servir também para garantir a sua preservação.
A língua que se fala nestas paragens é apenas mais uma evidência daquilo que os portugueses deram ao mundo. Protegê-la e divulgá-la é do interesse de Portugal e dos portugueses, não apenas como forma de respeitar o passado mas também para potenciar as relações futuras com a América do Sul.