Pode parecer algo estranho, mas a nossa história poderia ter sido completamente diferente caso D. Ramiro II tivesse colocado em prática os seus planos de fazer de Viseu a capital do território português e declarar a independência face aos restantes reinos cristãos da Península Ibérica. D. Ramiro até se chegou a declarar “Rex Portucalensis”, muitos anos antes de D. Afonso Henriques, em 925.
Mas afinal, quem foi esta personagem? D. Ramiro II foi o responsável por coligar as forças de Navarra, Leão e Aragão contra as forças muçulmanas, derrotadas na batalha de Simancas, em 939. Com esta vitória, o reino de Leão consolidou a sua fronteira a sul do vale do Douro. Apesar disso, nos últimos anos do seu reinado, não conseguiu impedir que Castela se erigisse em condado independente, sob a direção do conde Fernão Gonçalves.
Ainda pequeno, Ramiro foi educado por Diogo Fernandes e a sua esposa, que detinham vastos territórios em terras do Douro e, mais tarde, no vale do Mondego. Ramiro II vai ter particular importância na nossa história, por ter sido o primeiro a intitular-se como rei da terra portucalense, ainda que por um breve período de tempo. Reconhecia-se assim a existência de uma terra portucalense, que se vinha firmando desde 868, com a conquista de Vímara Peres.
Além disso, a D. Ramiro II se atribui, embora com algumas dúvidas, a construção da Cava de Viriato, em Viseu. Este é o maior monumento do género na Península, sendo um octógono de 32 hectares sobre o qual já se disse muita coisa, até porque as certezas são poucas. A imaginação corre então livre, sendo a Cava de Viriato considerada um dos maiores mistérios da arqueologia portuguesa.
Não se sabe ao certo quem construiu este enorme monumento, tão gigante que apenas se tem noção do seu tamanho real quando o vemos do ar. Cada um dos seus oito taludes, dispostos num perfeito octógono, tem 4 metros de altura e 250 metros de comprimento. Não se sabe também qual era o seu propósito. O que sabemos é que ganhou o nome de Viriato em 1640, até porque se pensava então ter-se tratado de um acampamento lusitano.
Existem também as teorias de que este era um campo militar, fosse romano, fosse muçulmano. Alguns falam nas tropas de Almansor, um exército de 25 mil homens que daqui terá partido para conquistar Santiago de Compostela, existindo uma estrutura semelhante no Iraque que ajuda a fortalecer esta teoria.
Mas a verdade é que tantos homens deixariam vestígios para trás, e não se encontrou até hoje nenhum vestígio palpável que nos permita dizer que o local foi um acampamento de qualquer espécie.
E foi perante estas mesmas dúvidas que nasceu a possibilidade de a estrutura ter sido construída pelo asturo-leonês Ramiro II, que fez de Viseu local da sua corte em 925. Alguns documentos referem a existência de uma Vila Velha e de uma Vila Nova, assim como uma tentativa de trasladar a cidade para um local mais seguro.
Segundo os apoiantes desta teoria, a construção da nova cidade teria começado pelo perímetro fortificado, que corresponderia à Cava de Viriato. Porém, em 931, Ramiro II parte para assumir a corte de Leão, após a morte de Afonso IV, e o projeto ficou incompleto.
Hoje, a Cava de Viriato é um monumento que se encontra urbanizado por dentro e por fora, contando com estradas, vivendas, quintas, plantações, jardins e estátuas, a mais famosa delas a ser a estátua de Viriato.
No fundo, este é um bairro vimaranense como tantos outros, embora este tenha uma homogeneidade geográfica e histórica, assim como um engendramento das suas linhas de água. Aliás, toda a estrutura parece ter sido desenhada com base nisso, com as valas que circundam o local a estarem ligadas a canais de águas naturais.
E quanto ao nome? Viriato foi atribuído ao território de Viseu por alturas seiscentistas, seja por desconhecimento, seja por associação lendária. Vendo um monumento de tal dimensão, muitos viram ali um possível castro dos lusitanos, um bastião anti-romano.
Apesar de nenhuma escavação ter confirmado essa ideia, a verdade é que a narrativa encaixava na perfeição na retórica do Estado Novo, que queria promover uma propaganda da valorização da “raça” portuguesa.
Foi nesse sentido que se construiu também a célebre estátua de Viriato, com uma frase que não engana politicamente: “Aqui mergulham as raízes desta raça viva e forte, imortal na sua essência”.