O desejo de descobrir o que as águas escondem é um desejo bem português e que ainda hoje constitui motivo de fascínio para muitos. E não precisa de ser necessariamente descobrir o que o oceano nos reserva; afinal, mesmo um rio pode esconder segredos ricos em encanto e em história…
É o caso de Vilarinho das Furnas, situada em pleno coração do Minho, no norte de Portugal, entre as serras do Gerês e da Amarela, no concelho de Terras de Bouro. Esta pequena aldeia, com mais de 2.000 anos de história, encontra-se atualmente submersa nas águas do rio Homem, desde 1971.
A origem da aldeia não é certa, devido à falta de documentação histórica, mas crê-se que o antigo aldeamento poderá remontar ao ano de 75 d.C. – altura em que se construiu a estrada Geira pelos romanos, na altura em que estes ainda tinham o domínio da Península Ibérica. A estrada foi construída com o intuito de unir Braga a Astorga, em Espanha, e ainda hoje é utilizada por peregrinos do Caminho de Santiago.
Mesmo assim, apesar de não se poder identificar a fundação da aldeia numa data precisa, sabe-se que os romanos por aqui passaram e se instalaram, não só pela presença da estrada Geira, mas também de três pontes nas imediações.
A história deste local teve um fim abrupto no século passado, quando o local foi vendido à EDP (Energias de Portugal), que pretendia construir uma central hidroelétrica de 125 MW. Com a construção da barragem, os cerca de 300 habitantes acabaram por perder a maioria do seu património para as águas do rio Homem. Mas os vestígios da aldeia não desapareceram por completo.
Ainda se pode observar os vestígios das ruínas das casas quando o nível das águas desce, em períodos de seca, ou quando a barragem liberta água para trabalhos de limpeza do espaço.
Esta antiga aldeia era rica em construções de dois pisos, típicas da região, sendo que no piso térreo se alojavam os animais e no superior habitavam as famílias. Era uma aldeia conhecida pelo regime comunitário que ali se tinha formado, funcionando de forma autónoma da legislação geral ou nacional. A elaboração das normas do local era feita por uma junta de seis elementos, dirigida por um zelador. A junta era composta por chefes de família eleitos, maioritariamente homens.
As mulheres tinham, no entanto, uma participação ativa no sistema de gestão, especialmente se fossem viúvas ou se o marido tivesse emigrado. As terras férteis e zonas de pastagens do local permitiam que cada um retirasse o seu sustento do trabalho agrícola e pecuário. Como as zonas de pastagem e de campo arável se encontravam no topo das colinas, as habitações foram construídas à beira-rio, o que explica a sua atual situação.
Depois da venda do local em 1970, existiam cerca de 57 famílias para realojar, mas a indemnização da EDP aos antigos moradores foi muito baixa. Assim, a povoação de Vilarinho das Furnas teve de levar todos os seus pertences, incluindo as telhas, e partir para novo local, deixando para trás as paredes das casas que no passado foram o seu lar.
Em 1972, as paredes que continham as águas do rio foram explodidas e Vilarinho das Furnas foi engolido. Ironicamente, o facto de estar submersa permitiu que a sua história se preservasse no tempo, alimentando a imaginação de curiosos e divulgada por quem visita o local.
Como prova de um bom espírito comunitário, os habitantes da antiga aldeia não perderam contacto entre si e fundaram em 1985 a associação A Furna, que visava preservar o que restou da aldeia. Graças a esta iniciativa, fundou-se o Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna e o Parque de Merendas Vilarinho da Furna.
Quarenta anos depois, ainda pode visitar este local. O acesso é feito a pé, por uma estrada de terra batida e que dura pouco mais de um quilómetro. Quem visita destaca a paisagem de cortar a respiração do local. Nos dias de calor, podem-se ver diversas famílias a descansar nas águas da albufeira criada pela barragem, nadando por cima de ruínas milenares e ricas em memórias.
Este é ainda um local de visita obrigatório para quem passa pelo Gerês, sendo que todo o circuito se encontra aberto ao público mediante pagamento de uma entrada de três euros. Mas o dinheiro é cobrado por uma boa causa: todo ele reverte a favor dos antigos habitantes de Vilarinho das Furnas, que perderam a sua aldeia para o rio.